Respeite meu nariz largo

Fátima Luiza
3 min readJan 11, 2019

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Recentemente eu estava navegando pela janela de buscas do Instagram e me deparei com dois ou mais posts sobre rinoplastia. Os posts eram todos sobre o quanto as pessoas queriam fazer aquele procedimento. Já vi algumas vezes sendo postado nos stories de pessoas que sigo a vontade delas de realizar o procedimento. Na rinoplastia, eu tomo por pressuposto que todo mundo sabe, a pessoa diminui ou afina o nariz para que ele fique apontado para cima, fique fininho. Será que eu preciso dizer que é o padrão de nariz branco europeu?

Quando adolescente, eu tinha muita vergonha do meu nariz. E isso sempre foi difícil de externalizar, porque quando você é adolescente o planeta marte de inseguranças cai na sua cabeça e por algum motivo fica ainda mais difícil conversar sobre elas. Em parte porque você tem medo e vergonha. Também é complicado lidar com as pressões de beleza que nós meninas sofremos desde que saímos do confortinho da barriga da mãe. E nós meninas negras sofremos o quádruplo de pressões com beleza: nosso cabelo que não é liso, nosso nariz que não é afilado, nossa pele nasce preta, nossos lábios nascem carnudos. Ser vítima de bullying por causa da nossa natureza é absurdamente comum. Essa quase criminalização das nossas características negras nos fazer crescer ainda mais inseguras com nossa aparência em uma sociedade que pode até tolerar a cor da nossa pele, mas não consegue entender as nossas características.

Meu nariz sempre foi largo. Mas o das minhas amigas, tanto negras quanto brancas, não. O nariz das artistas que eu gostava também não era largo. As modelos nas revistas de adolescente, nas campanhas publicitárias, as atrizes na TV e no cinema. Nós poderíamos compartilhar a mesma cor, mas quase nunca o mesmo nariz. E segue assim até hoje. Apesar disso, a representatividade cresceu, isso é um fato. Modelos com Slick Woods, que fez campanhas da marca de maquiagens Fenty Beauty, de Rihanna, representam a importância de além da cor da minha pele, eu possa ver alguém com o meu nariz.

Slick Woods. Reprodução: @slickwoods/Instagram

Parece bobo, parece fútil. Entretanto, para quem cresceu sempre desejando uma rinoplastia por vergonha é importantíssimo que haja para os olhos de todo mundo um nariz que seja natural, ancestral e tão bonito quanto os narizes afiladinhos europeus.

Ainda há muito do que considero desrespeito com narizes largos. A técnica contour ou contorno em português é uma técnica de maquiagem que ensina, além de outras coisas, a “harmonizar” o nariz: é basicamente usar duzentos mil produtos entre base e corretivo (e outros que nem entendo) no seu pobre narizinho para que ele fique fininho e “harmonize” com seu rosto. Olha, como diz Kendrick Lamar: miss me with that bullshit. É uma padronização de larguras que ainda é penetrada via mídia, publicidade, redes sociais e tudo mais que quer porque quer que meu nariz seja fino. Minha tataravó deveria se virar no caixão toda vez que eu abrisse um tutorial de contorno Youtube. Agora ela provavelmente não se vira mais porque eu parei.

Eu não estou dizendo que você precisa parar agora de usar contorno para afinar o nariz, por exemplo. Eu acredito que você escolhe fazer o que quiser com ele. Eu só peço que não me obrigue a “harmonizar” meu nariz em nome de um padrão de beleza que, para mim, é inalcançável. Mais inalcançável ainda é uma rinoplastia. Eu sou pobre (e eu não estou nem aí). Se pudesse, hoje, eu não faria. Eu quero mostrar para outras garotas que, além da nossa pele, nosso nariz é história, é genética e é lindo. Feio é preconceito, né? Quero que as menininhas e adolescentes vejam um nariz normal e possam entender a importância de preservar a genética de quem lutou muito para estarmos aqui hoje.

Ser negra em um país racista já é um ato político. Manter os traços negros em um país racista é outro ato político. Eu só quero que outras garotas vejam que nossos narizes largos são lindos e normais. E para quem acha que nariz largo é feio, fica o recado: não meta o nariz onde não é chamado!

Respeite meu nariz.

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Written by Fátima Luiza

Je ne sais pas e pra te ser sincera je ne veux pas savoir

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